Refletir sobre reciclagem no Brasil é se debruçar em temas complexos. Em parceria com o programa de reciclagem do COI na WTT, o Sandro Donini Mancini é responsável por mapear pesquisas, pesquisadores e soluções emergentes na cadeia de reaproveitamento de plásticos.
Ele é doutor em Ciência e Engenharia de Materiais pela UFSCar, professor da Unesp-Sorocaba, e possui grande experiência em polímeros, principalmente na reciclagem de materiais presentes nos resíduos sólidos urbanos.
Conversamos com o pesquisador para entender melhor quais caminhos, percalços e soluções esse assunto fomenta. Confere o papo logo abaixo.
W. Nos conta um pouco sobre o seu projeto na WTT.
R. A ideia do projeto é identificar, entre os cientistas brasileiros, o que fizeram ou eventualmente podem fazer, para melhorar a reciclagem de plásticos. Partimos do pressuposto que, se a parte técnica da reciclagem melhora (mais resíduos – mesmo os mais complexos – ficam aptos para reciclar ou com a obtenção de produtos reciclados de melhor qualidade), toda a cadeia produtiva melhora, refletindo inclusive no início dela, que é o catador. Os plásticos são materiais muito descartados, diversos deles fazem produto de ciclo de vida curta, geralmente são gerados resíduos bem leves, podendo estar associados com outros materiais na origem (papéis plastificados, plásticos metalizados…) ou até mesmo após o uso (impurezas impregnadas), sendo a sucata não tão valorizada como os metais, por exemplo. Estes aspectos fazem com que a reciclagem de plásticos tenha uma série de problemas para se tornar um negócio melhor do que é. E a ideia do projeto é justamente essa busca por soluções já desenvolvidas pela ciência brasileira.
W. Por que a circularidade de resíduos recicláveis no Brasil é um assunto tão complexo e de baixa incidência?
R. É complexo pois foge da zona de conforto de fabricantes, comerciantes e consumidores. O modelo linear (extração-produção-consumo-descarte) é cômodo para todo mundo, mas já está exaurido, sabemos que o planeta não vai conseguir fornecer matéria prima para muitas gerações subsequentes do jeito que oferece para a geração atual. Porém, sair desse modelo e adotar um outro, em que os resíduos sejam encarados como matéria-prima e circulem novamente é algo que vai envolver esforço de todos. Mas a notícia boa é que surgem várias oportunidades de negócio também.
W. Que soluções, processos ou ações você elencaria para melhorarmos a qualidade de quem trabalha com reciclagem informal?
R. Considerando primeiro os catadores informais. Um dos problemas é que cada catador depende só de si para juntar material e vender. Então, por melhor que seja o desempenho dele, não é a mesma coisa negociar com um grande comerciante ou diretamente com uma fábrica porque a quantidade de matéria-prima é baixa. E a indústria precisa de muita matéria-prima.
Outros problemas são o trabalho de coleta sem condições mínimas, a falta de proteção social… enfim, o ideal seria trazer esse pessoal para uma cooperativa, onde todos trabalhariam para o bem de todos e conseguiriam uma quantidade maior de material para vender. Mas é um problema complexo, não é todo catador informal que quer virar um cooperado. Se o preço da matéria-prima subir, ele ganharia mais e poderia investir em melhores formas de coleta e até em sua proteção social (pagar INSS, por exemplo).
Já empresas informais, comerciantes ou até recicladoras, deveriam se legalizar, pois podem no final das contas estar prestando um desserviço ao ambiente. Alguns processos de reciclagem podem ter um sério impacto ambiental se feito de forma irregular. Em geral, a reciclagem é menos impactante que a obtenção da matéria-prima virgem, mas tem impactos, como qualquer atividade industrial. Uma vez legalizado, em tese, será fiscalizado e trará menos problemas ao meio.
W. Como ciência e tecnologia podem abranger múltiplas esferas da sociedade para promover mudanças nessa área?
R. Estudando como essas múltiplas esferas podem atuar de uma forma em que todos andem para o mesmo lado, um lado mais sustentável. Falo para os meus alunos que trabalhar com lixo é fácil, trabalhar com gente é mais complicado, provocar mudanças de comportamento, fazer uma pessoa que nunca separou seus resíduos começar a separar, por exemplo. E, em último caso, promover legislações que façam com que a reciclagem, coleta seletiva, aconteçam de fato em todos os setores. Pois todos nós somos responsáveis pelos resíduos que geramos. Então devemos contribuir para que esses resíduos tenham o melhor destino possível.